Em 2009, uma pesquisa intitulada “Mosaico Brasil”, realizada em 10 capitais brasileiras, pela Universidade de São Paulo, apontou que 7,8% dos homens declaravam-se gays, 2,6% bissexuais, para um total de 10,4% entre os entrevistados do público masculino e 4,9% das mulheres declararam-se lésbicas e 1,4% bissexuais, no total de 6,3% das entrevistadas mulheres. A demografia das orientações sexuais, que permitiria não apenas conhecer a realidade dessa parcela da população, mas também orientar a formulação de políticas públicas específicas, nunca chegou a ser adotada no Brasil como medida oficial e em sentido amplo. Isso corrobora para que, durante muito tempo, o assunto seja tratado como um tabu, algo restrito ao campo da moral e do âmbito exclusivamente privado das pessoas. Este fenômeno permanece até os dias atuais na medida em que o principal instrumento de captação das informações acerca da realidade brasileira, qual seja, o censo realizado pelo IBGE, inobstante a incorporação de diversas dimensões ao longo de sua história, não chegou a dedicar a atenção necessária à comunidade LGBTQIA+. Assim, não só os diversos desafios que marcam essas existências não são conhecidos, como também é dificultada a tarefa de implantação de políticas públicas voltadas especialmente às pessoas que compõem esse grupo social.
Diante desse contexto, percebe-se que esse grupo é alvo de um processo sistêmico de invisibilização, subordinado a diversas formas de violência e de exclusão social. De acordo com o relatório intitulado “MORTES VIOLENTAS DE LGBTQIA+ NO BRASIL – RELATÓRIO 2018” produzido pelo Grupo Gay da Bahia (GGB), 420 LGBTQIA+ morreram no Brasil, em 2018, vítimas da homolesbotransfobia. Foram 320 homicídios (76%) e 100 suicídios (24%). Houve uma pequena redução de 6% em relação ao ano anterior (2017), quando foram registradas 445 mortes. Entretanto, o Relatório identificou que esse número foi recorde nos 39 anos desde que o Grupo Gay da Bahia iniciou o banco de dados. Isso representou que a cada 20 horas um LGBTQIA+ foi barbaramente assassinado ou se suicidou vítima da LGBTQIA+fobia, em 2018, o que confirmou o Brasil como campeão mundial de crimes contra as minorias sexuais. O Relatório revelou, ainda, que matam-se mais homossexuais e transexuais no Brasil do que nos 13 países do Oriente e da África onde há pena de morte contra os LGBTQIA+. E o mais preocupante, que tais mortes cresceram expressivamente nas últimas duas décadas, pois saltamos de 130 homicídios em 2000 para 260 em 2010, 445 mortes em 2017 e 420 no ano passado em 2018. O Relatório relativo aos crimes de 2019 cometidos contra a comunidade LGBTQ+ ainda não foi divulgado pelo GGB. Mas, o Relatório Parcial, elaborado pelo Grupo Gay da Bahia, por ocasião do Dia Internacional contra a LGBTIfobia, indicou que de janeiro a 15 de maio de 2019, o país já havia registrado o total de 141mortes de LGBTQ+, sendo 126 homicídios e 15 suicídios.
Outra instituição que se dedica a dar visibilidade e a chamar a atenção para a urgente adoção de políticas públicas efetivas voltadas à preservação da vida e inclusão social da comunidade de travestis e transexuais é a ANTRA – Associação Nacional de Travestis e Transexuais. O seu Dossiê intitulado “ASSASSINATOS E VIOLÊNCIA CONTRA TRAVESTIS E TRANSEXUAIS BRASILEIRAS EM 2019” revelou que foram confirmadas informações de 124 assassinatos de pessoas trans, somente em 2019, sendo 121 Travestis e Mulheres Transexuais e 3 Homens Trans. O dado mais preocupante da pesquisa mostra que, deste total, apenas 11 casos tiveram os suspeitos identificados (isto é, 8% dos casos) e que apenas 7% foram presos. A ANTRA ressalta que o nosso país tem cerca de 209 milhões de habitantes e uma taxa de 30,5 homicídios a cada 100 mil habitantes, ou seja, a segunda maior da América do Sul, perdendo apenas da Venezuela, com 56,8. Enquanto os Estados Unidos, com população estimada em 327 milhões e terceiro do mundo em mortes de pessoas trans, apresenta taxa de 4,88 para cada 100 mil habitantes. Ainda de acordo com a instituição, esse conjunto de dados explicita o cenário de violência em que nos encontramos, onde temos cerca de 6 vezes mais mortes de pessoas trans no Brasil em relação aos Estados Unidos, que tem uma população 50% maior que a nossa.
Assim, apesar de discreta redução do número de assassinatos nestes dois últimos anos, isso não nos permite afirmar que houve uma redução nos índices de violência contra a nossa população transexual e travesti, pois igualmente chama a atenção um possível aumento da subnotificação das ocorrências, além do fato de sermos um dos países onde mais ocorrem assassinatos de pessoas LGBTQIA+. Esse fenômeno pode ocorrer pela dificuldade do registro das ocorrências, visto que, muitas vezes, os órgãos de segurança pública são hostis no atendimento e acolhimento de denúncias feitas pela população LGBTQIA+; pela constante negativa da aplicação do entendimento das decisões do STF; pela falta de respeito e negação do uso do nome social das vítimas ou, ainda, pelo apagamento da identidade de gênero que é estruturalmente deslegitimada, especialmente quando, em 2019, o Brasil segue na liderança mundial dos assassinatos de pessoas trans.
É nesse cenário complexo, multifacetado e repleto de desafios, que alia diversas formas de violência (física, psíquica, social e simbólica) com invisibilização e exclusão social, que se insere o presente projeto, com recorte específico e aplicação ao município de Niterói.